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A vocação da família – Amoris Laetitia V

 

Nesta Semana Nacional da Família, retomo a série de artigos sobre a Exortação Apostólica Pós-Sinodal Amoris Laetitia, do Papa Francisco. Esse documento super atual, lançado em 2016, deve ainda ser visitado e descoberto por nossas famílias e comunidades.

O capítulo III da Exortação recebe este título: “O olhar fixo em Jesus: a vocação da família”. Por aí já podemos entrever o pensamento do Papa. A partir do primeiro anúncio (ou querigma), um anúncio de amor e ternura, é que deve ser visto o mistério do amor na família. É somente através do olhar de Jesus que podemos compreender realmente quem somos – como pessoa e como família – e qual a nossa vocação e missão no mundo e, ainda mais, no presente momento da história.

O matrimônio é um dom de Deus. O amor esponsal está inscrito no coração de cada homem e mulher desde a sua criação (Mt 19,1-9 que recupera Gn 2,21-24). Nesse sentido, o matrimônio recupera esse projeto original do Criador e se apresenta como verdadeira e possível imagem da união entre Cristo e a Igreja (Ef 5,21-32). Em tantas outras passagens bíblicas, a união matrimonial e a vida familiar são imagens que descrevem a plenitude do Reino de Deus, sobretudo em termos de alegria e festa.

A grande novidade divina na nossa história é a Encarnação do Verbo de Deus na família de José e Maria: “Este é o mistério do Natal e o segredo de Nazaré, cheio de perfume da família!” (AL 65) Por isso, a Sagrada Família é apresentada por Francisco como modelo seguro para as famílias do nosso tempo. Cada família carrega em si uma fagulha da luz divina, pela qual pode iluminar o mundo!

Recuperando o Magistério da Igreja desde o Concílio Vaticano II, a Amoris Laetitia segue desenhando a vocação da família como comunidade de vida e amor, amor esse que se abre fecundamente para a geração da vida e encontra, na caridade conjugal, a sua melhor expressão de realização da vocação à santidade. No coração da vida social, a família ensina ao mundo o valor da verdade e do bem comum.

O sacramento do Matrimônio, nessa ótica, apresenta-se como graça especial do Espírito para que a família testemunhe o amor, aquele mesmo nascido do Coração do Cristo Crucificado. O matrimônio é uma vocação específica na vida da Igreja, que responde a esse amor pleno, doado, entregue pelo outro e para a vida do outro, com a mesma intensidade de Jesus. A comunhão entre os esposos é o melhor testemunho disso.

Assim, a união do casal humano manifesta-se como verdadeiro mistério. O que nasce dessa união não lhes pertence como simples posse, mas se transforma em bênção que enriquece a Igreja e toda a comunidade humana. Isso tanto em relação aos filhos, fruto de sua união sexual, quanto aos valores e sentimentos, frutos da sua íntima união de alma e coração.

Claro que nenhuma família é perfeita, e existem situação contemporâneas controversas e desafiadoras, que exigem discernimento e responsabilidade. Ante qualquer uma dessas situações, por vezes conflituosas (realidades conjugais diversas, individualismo, procriação, aborto, eutanásia, adoção, educação), deve brilhar o amor, que busca sempre mais crescer e se aprofundar, amadurecendo a consciência de que a família é um sonho de Deus, é verdadeira Igreja doméstica, e que a Igreja é vocacionada a se tornar verdadeira e sincera família de famílias.

 

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Segue os links dos textos anteriores, publicados aqui no Pluriverso Teológico:

http://www.pluriversoteologico.com.br/2016/08/a-alegria-do-amor-amoris-laetitia-i.html

http://www.pluriversoteologico.com.br/2016/08/o-evangelho-da-familia-amoris-laetitia.html

http://www.pluriversoteologico.com.br/2016/09/a-realidade-e-os-desafios-das-familias.html

http://www.pluriversoteologico.com.br/2016/10/um-desafio-particular-o-enfraquecimento.html

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