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Entre crises e angústias – Amoris Laetitia IX


Continuamos no capítulo VI da Exortação Apostólica Amoris Laetitia, do Papa Francisco, que trata de lançar luzes sobre algumas perspectivas pastorais no complexo universo da família neste início de milênio.

Antes de tudo, é preciso ter a consciência de que o amor é chamado a amadurecer com a experiência da vida. Nesse processo, não existe imunidade a crises, angústias e sofrimentos. É entre dores e obstáculos que a alegria do amor se revela, especialmente quando se trata da vida conjugal e familiar. Na verdade, “cada crise esconde uma boa notícia, que é preciso saber escutar, afinando os ouvidos do coração” (AL 232).

Crises são oportunidades de reaprender o valor do perdão e do sonho. “Cada crise é como um novo ‘sim’ que torna possível o amor amadurecer reforçado, transfigurado, amadurecido, iluminado” (AL 238). É preciso, para tanto, uma atitude de abertura constante e acolhida solidária, para discernir caminhos de libertação e cura de feridas graves e imaturidades.

Uma das mais graves feridas para o matrimônio, sem dúvida, é a separação e o divórcio. É um remédio extremo e amargo, motivado pelos mais diversos sentimentos e situações. Antes de estabelecer qualquer julgamento, é necessário criar condições para um caminho de mediação, de reconciliação, de perdão, mesmo que não haja mais tentativas de reatar a união. Um lar que se desfaz sempre traz consigo dores e desilusões, frustações e desesperança. Gesto concreto de amor, nessa situação, é acolher cada pessoa com ternura e bondade, sem invasão nem pressão. Compaixão. As lágrimas, o colo e o tempo ajudam a suavizar a cicatriz.

Aqueles que optam por seguir a vida por meio de uma nova união devem, com todo zelo, ser acolhidos na comunidade de fé, não obstante sua situação singular e especial. “Estas situações ‘exigem um atento discernimento e um acompanhamento com grande respeito, evitando qualquer linguagem e atitude que as faça sentir discriminadas e promovendo a sua participação na vida da comunidade’” (AL 243). Uma das formas de ajudar é dar a conhecer os caminhos para um processo de nulidade matrimonial (quase sempre possíveis).

Um cuidado especial deve ser dedicado aos filhos dessas uniões que não vingaram. Eles devem ocupar uma preocupação central, pois são, na maioria das vezes, os mais vulneráveis e incapazes de lidar com a situação constrangedora e desconcertante. Além disso, quase sempre são os infelizes alvos de disputas judiciais e emocionais, que afetam drasticamente sua vida interior e comprometem a sadia formação de sua personalidade. Conclui o Papa: “Por isso, sem dúvida, a nossa tarefa pastoral mais importante relativamente às famílias é reforçar o amor e ajudar a curar as feridas, para podermos impedir o avanço deste drama do nosso tempo” (AL 246).

Também os matrimônios mistos (entre dois batizados: um católico e outro não) e com disparidade de culto (entre um católico e um não batizado) merecem atenção especial, pois, inevitavelmente, se coloca em xeque nesses contextos a formação da identidade de fé da família e a educação cristã dos filhos.

É exigente um olhar sobre as pessoas com tendência homossexual. Embora não seja possível uma união matrimonial sacramental, é preciso reconhecer seus direitos civis e cidadãos, pois “cada pessoa, independentemente da própria orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e acolhida com respeito, procurando evitar ‘todo sinal de discriminação injusta’ e particularmente toda forma de agressão e violência. Às famílias, por sua vez, deve-se assegurar um respeitoso acompanhamento, para que quantos manifestam a tendência homossexual possam dispor dos auxílios necessários para compreender e realizar plenamente a vontade de Deus na sua vida” (AL 250).

As famílias monoparentais (como as “mães solteiras”) devem “encontrar apoio e consolação junto das outras famílias que formam a comunidade cristã, assim como junto dos organismos paroquiais” (AL 252). Todas as formas de vida em família devem ser acolhidas com amor e responsabilidade.

A experiência dolorosa (e muitas vezes traumática) da viuvez também deve encontrar espaço em nossas agendas pastorais, especialmente aquelas pessoas que vivem longe da família e/ou em situações de maior vulnerabilidade social. O luto e a separação que a morte traz à tona não superam a esperança e a felicidade da vida em Deus, que já, em parte, experimentamos neste mundo, e que se há de completar com abundância na vida eterna!

Você percebe situações desafiadoras como essas na sua comunidade? Está enfrentado algo assim na sua vida pessoal? Quer compartilhar alguma experiência realizada? Fique à vontade nos comentários! 

Comentários

  1. Sábias palavras! A fé, o respeito e o autoconhecimento fazem parte da construção e reconstrução do ser humano! Reconhecer esses momentos é essencial e especialmente necessário para se obter soluções sensatas. A fé, palavra de honra nesses momentos.

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  2. Sábias palavras! A fé, o respeito e o autoconhecimento fazem parte da construção e reconstrução do ser humano! Reconhecer esses momentos é essencial e especialmente necessário para se obter soluções sensatas. A fé, palavra de honra nesses momentos.

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  3. Que bela reflexão!
    "A medida de amar é amar sem medida."
    O amor é sempre a melhor saída seja em qualquer circunstância.

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  4. Ótima reflexão. Todas situações citadas no texto são presentes em todas nossas paróquias. Obrigado pelas luzes que lançou sobre as várias realidades que vivemos hoje. Parabéns 👏👏👏

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  5. Que texto primo! Sensacional 👏👏👏

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  6. Que texto primo! Sensacional 👏👏👏

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  7. Como sempre colocando muito bem as palavras.

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