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Um desafio particular: o enfraquecimento da família – Amoris Laetitia IV



Continuando a abordagem sobre a Exortação Apostólica Amoris Laetitia, do Papa Francisco, ao finalizar o capítulo II, coloca-se em evidência uma grave questão: o enfraquecimento da família. 

Diz o Papa: “Ninguém pode pensar que o enfraquecimento da família como sociedade natural fundada no matrimônio seja algo que beneficia a sociedade. Antes, pelo contrário, prejudica o amadurecimento das pessoas, o cultivo dos valores comunitários e o desenvolvimento ético das cidades e das vilas” (AL 52). Essa visão se dá em um horizonte mais largo: a família, vista assim, não é uma mônada, egoisticamente fechada em si mesma, mas um centro irradiador de vida para toda a sociedade humana! 

É conhecida por todos a complexidade de situações familiares, mas a palavra do Magistério da Igreja é firme, para além de qualquer relativismo: “Devemos reconhecer a grande variedade de situações familiares que podem fornecer certa regra de vida, mas as uniões de fato ou entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo, não podem ser simplistamente equiparadas ao matrimônio. Nenhuma união precária ou fechada à transmissão da vida garante o futuro da sociedade” (AL 52). Entram nessa consideração também os casos de poligamia, matrimônios arranjados, simples convivência conjugal que precede o matrimônio... são situações complexas, repito, mas não podem equiparar-se ao matrimônio ocupar seu lugar: “Embora seja legítimo e justo rejeitar velhas formas de família ‘tradicional’ caracterizada pelo autoritarismo e inclusive pela violência, isso não deveria levar ao desprezo do matrimônio, mas à redescoberta do seu verdadeiro sentido e à sua renovação... Por mais ferida que uma família possa estar, ela pode sempre crescer a partir do amor” (AL 53)!

É preciso respeitar e defender os direitos da mulher e sua dignidade, em todas as dimensões de sua vida (cf. AL 54). Necessário também se faz a justa valorização do homem e das suas responsabilidades efetivas na vida familiar (cf. AL 55). Tudo isso numa visão que supere uma perigosa “ideologia genericamente chamada ‘gender’, que ‘nega a diferença e a reciprocidade natural de homem e mulher. Ela apresenta uma sociedade sem diferenças de sexo, esvaziando a base antropológica da família... A identidade humana é entregue a uma opção individualista, também variável no tempo’” (AL 56). Há um sério limite na ideologia de gênero, que é preciso ter em conta: “É preciso não esquecer que ‘sexo biológico (sex) e função sociocultural do sexo (gender), podem-se distinguir, mas não separar’... Uma coisa é compreender a fragilidade humana ou a complexidade da vida, e outra é aceitar ideologias que pretendem dividir em dois os aspectos inseparáveis da realidade” (AL 56).

Nesse contexto, “a Igreja sente a necessidade de dizer uma palavra de verdade e de esperança. Os grandes valores do matrimônio e da família cristã correspondem à busca que atravessa a existência humana” (AL 57). Com coragem e caridade queremos percorrer esse caminho!

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