O que está acontecendo com a nossa casa – Laudato Si’ II


Continuemos a falar da Encíclica Laudato Si’ (LS), do Papa Francisco. Após uma breve introdução, como apontamos no artigo anterior, o Papa dedica o primeiro capítulo a uma visão panorâmica sobre o contexto atual, levantando sobretudo o paradoxo entre a “contínua aceleração das mudanças na humanidade e no planeta” e “a lentidão natural da evolução biológica” (LS18). O Papa constata crescente conscientização, sensibilidade e preocupação para com a situação ambiental da parte de muitos homens e mulheres, o que é forte sinal de esperança para o mundo. A inquietação de Francisco é “tomar dolorosa consciência, ousar transformar em sofrimento pessoal aquilo que acontece com o mundo e, assim, reconhecer a contribuição que cada um lhe pode dar” (LS 19).

Levanta-se, então uma série de questões urgentes: a poluição, fruto da “cultura do descartável”, e sua intensa produção de lixo, que acaba por influenciar, principalmente, a mudança climática, um dos principais desafios da humanidade neste início de século (LS 20-26); a exploração da água, indispensável à vida humana, mas tornada objeto de comércio – é verdadeiro escândalo a privação do acesso dos pobres a esse recurso natural indispensável, “direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição indispensável para o exercício dos outros direitos humanos” (LS 27-31); a destruição da biodiversidade, fruto de uma compreensão imediatista da economia e da atividade comercial, gerador de um grave desequilíbrio dos diversos ecossistemas de todo o planeta (LS 32-42).

A mais grave consequência dessa devastação ambiental é a deterioração da qualidade de vida humana e a degradação social, manifesto no crescimento desmedido e descontrolado das cidades, baixa qualidade de vida da população, dinâmica nociva e artificial influenciada por muitos mass media (LS 43-47). Em suma, pode-se falar de uma verdadeira desigualdade planetária (LS 44-52), que afeta principalmente os excluídos (em todos os aspectos); o Papa recorda que “uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres” (LS 49); faz-se urgente pensar em uma nova ética das relações internacionais, revigorando “a consciência de que somos uma única família humana. Não há fronteiras nem barreiras políticas ou sociais que permitam isolar-nos e, por isso mesmo, também não há espaço para a globalização da indiferença” (LS 52).

Nesse contexto, “somos chamados a tornar-nos instrumentos de Deus Pai para que o nosso planeta seja o que Ele sonhou ao cria-lo e corresponda ao seu projeto de paz, beleza e plenitude” (LS 53), apesar da triste constatação de uma preocupante fraqueza da reação política internacional, atada a interesses econômicos particulares e imediatos e hábitos nocivos de consumo, numa ecologia superficial ou aparente que vai “criando um cenário favorável para novas guerras, disfarçadas sob nobres reivindicações” (LS 57; LS 54-59).

Como não poderia deixar de ser, existe uma diversidade de opiniões sobre as questões apontadas acima (LS 60-61). O desejo da Igreja não é, contudo, fechar o discurso, dar uma palavra definitiva, mas abrir o diálogo, “escutar e promover debate honesto entre os cientistas, respeitando a diversidade de opiniões” (LS 61). Mas, quando se trata de definir prioridades e critérios... a palavra é o Evangelho.

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