Continuamos com
a reflexão anterior, com um olhar sobre a criação pelo viés bíblico-teológico,
conforme o capítulo II da encíclica Laudato
Si’ (LS) do Papa Francisco.
Toda criatura
tem sua importância na grande obra de Deus que é o mundo. De fato, “todo o
universo material é uma linguagem do amor de Deus, do seu carinho sem medida por
nós” (LS 84). Embora o ser humano seja o ápice da Criação, própria “imagem e
semelhança” de Deus (Gn 1,26), ele só o é em relação com os demais seres, em
mútua interdependência, e torna-se, para eles, guardião e administrador (cf. Gn
2,15). Poder é aqui sinônimo de responsabilidade e cuidado!
Todas as coisas
são como um reflexo de Deus (cf. LS 87) e, de fato, “toda a natureza, além de
manifestar Deus, é lugar de sua presença” (LS 88). Por isso, “nós e todos os
seres do universo, sendo criados pelo mesmo Pai, estamos unidos por laços
invisíveis e formamos uma espécie de família universal, uma comunhão sublime
que nos impele a um respeito sagrado, amoroso e humilde” (LS 89), o que deve
gerar em nós um senso ainda maior de cuidado e zelo para com toda a Criação, no
combate a todo e qualquer interesse de destruição e manipulação da vida, humana
ou não.
Embora o direito
à propriedade seja legítimo, como ensina a Doutrina Social da Igreja,
intrinsecamente toda propriedade privada
tem uma função social, uma vez que a terra é um bem comum a todos os seres
vivos, e a vida é um bem superior a qualquer outro, e exige ser favorecida em
todos os seus aspectos (cf. LS 93-95).
É nessa ótica
que Jesus apresenta Deus: como o Pai que quer o bem de todos os seus filhos e
criaturas, em uma dinâmica de amor e cuidado, de liberdade. “Jesus vivia em
plena harmonia com a criação. [...] Não Se apresentava como um asceta separado
do mundo ou inimigo das coisas aprazíveis da vida. [...] Encontrava-se longe
das filosofias que desprezavam o corpo, a matéria e as realidades deste mundo.
[...] Jesus trabalhava com suas mãos, entrando diariamente em contato com a
matéria criada por Deus para a moldar com a sua capacidade de artesão. [...]
Assim santificou o trabalho, atribuindo-lhe um valor peculiar para o nosso
amadurecimento” (LS 98).
De fato, no mistério de Cristo se centra o mistério da
Criação, desde a origem até seu fim (Ef 1,10; Cl 1,15-20; Jo 1,1-3.14.16; 1Cor
15,28). O mistério de sua Encarnação, que culmina na Cruz-Ressurreição ilumina
o mundo com uma luz nova, conduzindo todas as coisas à plenitude, à vida nova
em Deus, no amor.
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