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Linhas de orientação e ação – Laudato Si’ VII


Depois de um longo intervalo (exatos 40 dias!) sem publicar – tive que dar prioridade ao meu TCC que estava apenas enrolado... – vamos voltar a publicar! E, claro, vamos continuar a reflexão sobre a encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco. Os episódios trágicos dos últimos dias em MG e no ES nos fazem ver a urgente necessidade de parar para refletir e discutir as questões ecológicas, de tomar consciência e arregaçar as mangas na defesa da nossa casa comum!

Depois de delinear as situações de crise do mundo contemporâneo, e apresentar a luz do Evangelho para essa situação, Francisco aponta pequenas e práticas linhas de ação ao alcance de toda a humanidade para uma efetiva transformação da dramática realidade ecológica atual. Insistindo na ideia de tratar o mundo como uma imensa casa comum, o Papa frisa: “A interdependência obriga-nos a pensar em um único mundo, em um projeto comum” (LS 164), e chama a atenção para a irresponsabilidade da sociedade pós-industrial moderna quanto às questões ambientais, sobretudo quanto à questão energética (LS 165), e para a dificuldade de um debate sério e prioritário e “acordos ambientais globais realmente significativos e eficazes” (LS 166). Fazendo memória de grandes reuniões para acordos internacionais, Francisco denuncia a ineficiência de tais tratados e a falta de compromisso na execução de suas medidas (LS 167-170), chama a atenção para a urgência do cuidado para com as necessidades dos países pobres (LS 172) e conclama o cumprimento dos acordos internacionais para combater os desequilíbrios ambientais e humanos que tendem a se agravar com o tempo (LS 173-175).

Dado os casos mais específicos, as realidades ambientais locais, é necessário fazer valer a disciplina do direito para pensar o bem comum a toda a sociedade, dever primário das autoridades políticas (LS 176-179). Apesar de que não se pode “pensar em receitas uniformes, porque há problemas e limites específicos de cada país ou região” (LS 180), é indispensável a continuidade de projetos e medidas públicas em defesa do meio ambiente em seus diversos aspectos: “Importa dar um lugar preponderante a uma política salutar, capaz de reformar as instituições, coordená-las e dotá-las de bons procedimentos, que permitam superar pressões e inércias viciosas” (LS 181).

Os projetos e decisões em vista da superação da crise ecológica não podem ser feitos sem um acurado estudo e sem um projeto consensual que priorize o bem comum e a defesa da vida de todos, livre da lógica consumista e imediatista – que sejam medidas eficazes em defesa da vida, do ambiente, e não dos interesses de uns poucos, num debate honesto e transparente (LS 182-188).

Para alcançar esse fim, sugere o Papa: “Pensando no bem comum, hoje precisamos imperiosamente que a política e a economia, em diálogo, se coloquem decididamente ao serviço da vida, especialmente da vida humana” (LS 189), cumprindo, assim, sua real e verdadeira vocação. A crise ambiental, como já foi dito anteriormente, é uma crise verdadeiramente humana, sintoma de que a organização política e econômica do mundo atual não está funcionando bem e reclama mudanças – só uma verdadeira e profunda mudança de mentalidade pode salvar o mundo do colapso que o ameaça travestido de progresso e riqueza (LS 190-195). Deve-se voltar ao necessário princípio da subsidiariedade, que inclui a todos e promove os mais frágeis, os pequenos (LS 196). “Precisamos de uma política que pense com visão ampla e leve em frente uma reformulação integral, abrangendo em um diálogo interdisciplinar os vários aspectos da crise”, (LS 197) rompendo com a lógica da superficialidade que tenta “tapar o sol com a peneira” e mascarar a realidade, eximindo-se de um compromisso e sacrifício pela vida e pelo bem de todo o planeta (LS 198).

Uma ética global do cuidado não se faz apenas com a ciência – a religião tem um papel preponderante na formação e na transmissão da cultura e dos valores e, como tal, tem o seu lugar e a sua importância (fundamental, diga-se de passagem) nesse debate ecológico (LS 199). Superando a técnica, a linguagem religiosa é capaz de transmitir ao homem de hoje ainda o vislumbre pela vida e pelo seu cuidado, chamando-o a sair de seu egoísmo autorreferencial e abrir-se ao respeito, ao diálogo, ao cuidado, à fraternidade, pois “a gravidade da crise ecológica obriga-nos, a todos, a pensar no bem comum e a prosseguir pelo caminho do diálogo que requer paciência, ascese e generosidade” (LS 200).

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