Sobre a reportagem publicada em A Tribuna, em 04/08/2015

Minha intenção ao postar no Facebook a foto da reportagem publicada no jornal A Tribuna não foi, no primeiro momento, suscitar a acalorada discussão que depois se formou em minha postagem. E que boa surpresa a discussão gerada! Cabe, porém, ajudar a discernir e esclarecer alguns pontos de nossas respostas.

Parece que o título da matéria quis apenas chamar a atenção para vender mais jornal. A proposta da entrevista foi bem outra... A equipe de jornalismo, muito simpática, por sinal, queria conhecer um pouco mais da vida do nosso Seminário e saber de nossas motivações vocacionais, o que, de fato, foi publicado com destaque. As questões “polêmicas” foram tratadas brevemente e de maneira geral, sem esmiuçar as problemáticas apresentadas. Aqui, porém, o faremos em parte.

1. Aborto. A compreensão da Igreja parte do princípio natural que é a vida, considerada, na fé, dom de Deus, o Criador de todas as coisas, defendida e preservada em todas as suas fases, em toda e qualquer circunstância. O Deus de Jesus é o Deus da vida; o prêmio da bem-aventurança cristã é a vida eterna (cf. Mt 19,17; Jo 5,24; 12,50; Rm 6,23; Ap 2,10). Partindo dos princípios da ciência, a Igreja entende o início da vida na concepção (fecundação), e já a partir daí, o único detentor do poder de dá-la ou tirá-la é o Senhor Deus (1Sm 2,6; Sl 22,10s). Ao homem cabe zelar por ela com responsabilidade e espírito de serviço. O que vale para o princípio da vida vale também para o seu fim: a ninguém é dado o direito de extinguir a vida – ela pertence unicamente a Deus; por isso eutanásia e homicídio são considerados tão imorais quanto o aborto. Como vemos, lei natural e lei divina se completam e se autorreferem mutuamente (Carta encíclica Evangelium Vitae, n. 30; 39-40; 52-54; 60-66).

Uma coisa é cometer o ato de aborto; outra coisa é a pessoa que pratica tal ato. O ato cometido é ofensa a Deus e a toda a comunidade humana, pois lesa uma vida do seu direito mais fundamental, e isso se torna mais grave por se tratar de uma vida indefesa e inocente. Além disso, é considerado crime pela legislação civil, e como tal, tem suas consequências legais. Quanto ao pecador (e a seus cúmplices), a Igreja acolhe seu arrependimento e oferece o remédio da penitência e da reconciliação, o amor gratuito de Deus que os espera para o abraço do perdão e da conversão (cf. Lc 15,20-24). Não se trata de céu ou inferno, castigo ou condenação – trata-se de consciência e dignidade da vida, em primeiro lugar.

2. União homoafetiva. É preciso ter em vista o princípio, o desígnio da criação de Deus. “Homem e mulher os criou” (Gn 1,27), para que se tornem “uma só carne” (Gn 2,23-24). A união esponsal se dá no encontro entre o homem e a mulher, a família que se constitui como guardiã, defensora e multiplicadora da vida, colaborando na obra criadora de Deus. O matrimônio é a instituição divina, querida e ratificada por Jesus (cf. Mc 10,2-9; Mt 19,3-6; Ef 5,21-33), sacramento do seu amor presente no mundo; a família, assim, de modo próprio e peculiar, coopera na santificação do mundo ao fazer do matrimônio um verdadeiro sacramento de serviço à vida em todos os seus aspectos.

Visto assim, não cabe na teologia do matrimônio, a união homossexual. De fato, tal união não pode se constituir como sacramento, como canal eficaz da graça divina. O amor que gera a relação conjugal se traduz tanto por sua unitividade (o laço de união entre o casal) quanto por sua capacidade procriativa (a geração de filhos). E não existe modo natural de um par homossexual gerar filhos.

É preciso também aqui distinguir a pessoa homossexual dos atos genitais que pratique e mesmo da união entre pessoas do mesmo sexo. Existe, sempre, na Igreja, o primado da pessoa; porém, não à luz de si mesma ou de um referencial legal ou filosófico, mas à luz do plano divino de salvação. Sejam quais forem as causas da homossexualidade (orientação, predisposições genéticas, educação, meio social, ou qualquer outra que seja), a pessoa humana é querida por Deus, e a Igreja a acolhe como Mãe; cabe, porém, também à Igreja, admoestar a seus filhos como Mestra, como intérprete da verdade, sob a guia do Espírito de Deus, apresentando o projeto divino de vida plena para todos, segundo os critérios do Evangelho que, em primeira instância, é o próprio Jesus. Amor aqui não se trata de um sentimento de “gostar” ou de “querer bem” – é muito mais que isso: o amor é um modo de viver que se inspira no modo de viver de Jesus: é “ágape” (Jo 15,12-13), é entrega e doação da vida até as últimas consequências; ao mesmo tempo é “kénosis” (Fl 2,6-11), esvaziamento de si mesmo para comportar a vida nova de Deus.

3. Redes sociais. Esse não foi polemizado, mas o estamos experimentando agora: o mundo digital como esse ambiente vital, espaço privilegiado de evangelização!

Acredito não ser necessário explicitar os comentários de pessoas boas, mas que desviaram o foco da discussão para críticas pessoais à instituição eclesiástica, sem fundamentação, de modo superficial e deslocadas de contexto. Não é hipocrisia defender valores, sobretudo quando se pautam na Palavra de Deus. A questão do testemunho, seja dos pastores, seja dos leigos, é uma questão pessoal e “cada um se examine a si mesmo” (cf. 1Cor 11,28-32). Não podemos, contudo, generalizar nossas insatisfações nem os modos de viver de alguns filhos da Igreja; esta sempre foi “santa e pecadora” e continuará a ser assim até que chegue a plenitude do Reino, “onde Deus será tudo em todos” (1Cor 15,28).

A Igreja é sempre filha do seu tempo, e como tal ela encara as questões que cada tempo e lugar lhe apresentam, sempre novas e desafiadoras. Ela, porém, não cede às “modas” do seu tempo; busca avaliar as questões com o auxílio das ciências e da filosofia sem, contudo, perder seu eixo norteador, seu critério máximo é eterno e verdadeiro: a Revelação divina, apresentada de modo pleno em Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida (Jo 14,6).

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