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O cultivo espiritual em tempos de conectividade

Tomo emprestado esse título da obra homônima do paulino Francisco Galvão, que tive o prazer de conhecer no ano de 2018, justamente numa palestra de lançamento do livro no Centro Loyola em Belo Horizonte. É publicado pela Paulus Editora.

Chamou minha atenção o jeito simples do Galvão e a sinceridade da sua proposta de reflexão. Ele consegue conjugar na obra duas grandes importantes questões contemporâneas: a busca de uma espiritualidade profunda, que ofereça um sentido claro à vida humana, e o fenômeno da super conexão humana através do mundo digital, tendo como seu principal recurso as redes sociais, que moldam os relacionamentos humanos de modo ímpar neste início de século.

A obra chama a atenção para os riscos e as virtudes da presença nas redes sociais e tenta abrir caminhos para a superação da superficialidade em que se pode cair sem um uso maduro das mesmas. Aponta, contudo, que o único caminho para uma espiritualidade madura e autêntica é o mergulho na interioridade, mediado pelo autoconhecimento e pela escuta da voz de Deus no silêncio da intimidade do ser. Não aparece aqui uma visão proibitiva nem condenatória das redes, mas uma apresentação lúcida das dificuldades que elas podem oferecer a quem busca uma conexão espiritual intensa e verdadeira. Aliás, o próprio autor é um usuário dedicado e equilibrado das mídias digitais.

Não há caminho para Deus que não passe pelo interior do próprio homem. É como dia Santo Agostinho: “Estavas dentro, e eu fora de mim”. A busca de uma espiritualidade real e madura passa pela redescoberta da presença divina no interior do coração, e na purificação deste de tantas imagens e ações destrutivas e desintegradoras. O caminho espiritual é uma conquista alcançada a duras penas, fruto de entrega e constância, trabalho e empenho, ação e espera, profundidade e maturidade.

Citando autores profundos e conhecidos da espiritualidade, e diversos trechos da Sagrada Escritura, a obra vai se tecendo em torno de temas-chave (silêncio, deserto, aridez, resiliência, felicidade, escuta, liberdade, espera, fé, santidade) articulados com situações da vida cotidiana (relacionamentos afetivos, exposição em redes sociais, vida familiar, amizade, comunidade eclesial, sociedade, oração) que pertencem a todos nós, sem distinção. Dessa forma, seu alcance se torna universal, e pode nos ajudar a transformar a vida por inteiro, a partir de dentro do coração.

Não quero me alongar na exposição. É uma das obras que eu me dediquei a ler nesta “quarentena”. O livro se articula em pequenos capítulos e sua linguagem é acessível, apesar de muito profunda. Pode se aventurar nessa leitura sem medo!

Pra te incentivar, vou dar um spoiler, e citar a última frase do livro: “A verdadeira espiritualidade não é aquela que nos faz dizer ‘agora estou pronto’, mas a que nos faz olhar para o centro da vida e reconhecer o quanto somos inacabados”.

Fica a dica! Boa leitura!

 

Post Scriptum: Comente o que você achou do livro, se você resolver adquirir e ler (tem versão impressa e e-book também). E se você quiser seguir o Francisco Galvão, os perfis dele estão marcados na publicação de divulgação desta postagem no meu Instagram.

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