Pular para o conteúdo principal

Natal, Festa da Misericórdia


Vários artigos que li nesta última semana partiam da mesma premissa: “Jesus Cristo é o rosto da misericórdia do Pai” (MV 1). Também dela partiremos nós para algumas breves considerações sobre a solenidade do Natal do Senhor, cujos frutos colhemos ainda nesses dias que chamamos de “Oitava” do Natal.

Celebrar o Natal do Senhor é mais do que simplesmente comemorar o “aniversário” de Jesus: celebrar o Natal é contemplar o mistério da Encarnação, a atitude decidida e decisiva do Deus-Amor em vir ao encontro da humanidade por meio de sua própria “carne”, tornando-se um de nós, “igual a nós em tudo, exceto no pecado” (GS 22). Assim, Deus nos abre uma nova porta de acesso ao seu coração, e ilumina com nova luz o caminho da vida humana: “O povo que andava na escuridão viu uma grande luz, para os que habitavam as sombras da morte uma luz resplandeceu” (Is 9,1).

O caminho do Deus-Menino é o caminho do despojamento, da entrega, da kénosis: “Ele, existindo em forma divina, não se apegou ao ser igual a Deus, mas despojou-se, assumindo a forma de escravo e tornando-se semelhante ao ser humano” (Fl 2,6s) – é o caminho da misericórdia, “o caminho que une Deus e o homem, porque nos abre o coração à esperança de sermos amados para sempre, apesar da limitação do nosso pecado” (MV 2).

A “Palavra”, pela qual Deus tudo criara (cf. Gn 1), agora “se fez carne e veio morar entre nós” (Jo 1,14); e melhor: “veio armar sua tenda entre nós, e nós vimos a sua glória” – clara alusão ao santuário do povo peregrino (cf. Ex 40,34-38), em que o Deus Libertador estabelece o sinal da sua presença e dirige o seu povo. Jesus entre nós é a verdadeira “morada de Deus-com-os-homens” (Ap 21,3), é o Emanuel, Deus-Conosco (Mt 1,23; Is 7,14; 8,8.10), e assim nos revela o mistério de amor do Pai!

Que este tempo litúrgico do Natal do Senhor nos alimente na esperança de novos céus e nova terra (cf. Ap 21,1). Que o exemplo do Filho Bendito nos atraia para amor-serviço, o amor-doação (Jo 15,12s). Que o silêncio de Belém e Nazaré nos ensine a humildade, a pobreza do coração, e nos faça crescer “diante de Deus e dos homens” (cf. Lc 2,51).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Lavar os pés. De quem? Para quê?

  Pensando na liturgia da Quinta-feira Santa, que já está bem próxima, é impossível não vir à mente a imagem de Jesus lavando os pés dos seus discípulos. Cena forte, impactante, envolvente. Tanto é que muita gente chama a celebração desse dia solene simplesmente de “missa do lava-pés”. Quem nunca se imaginou tendo os pés lavados pelo padre nesse dia? Muita gente chora quando é convidado ou até mesmo pego de improviso para esse gesto. Você também? Porém, o que existe de mais nesse gesto? Lavar os pés era a tarefa dos escravos. Era um sinal de submissão à autoridade de outrem. Jesus que se abaixa e lava os pés dos Doze sinaliza sacramentalmente sua vocação de servo da humanidade, em obediência à vontade do Pai e coerência à sua própria palavra: “Quem quiser ser o maior, se faça o servo de todos” (cf. Mc 10,44). Oferecer água para lavar os pés era significativo gesto de acolhida israelita. No calor escaldante do deserto, ao ser recepcionado a uma casa para uma refeição, especialmen

Micropoema de Semana Santa

  Era noite No coração de Judas Feliz de quem não se encontra sozinho na hora mais sombria Nem sempre há um anjo do céu para nos confortar   --- (Referências a Jo 13,30 e Lc 22,43)

Entre crises e angústias – Amoris Laetitia IX

Continuamos no capítulo VI da Exortação Apostólica Amoris Laetitia, do Papa Francisco, que trata de lançar luzes sobre algumas perspectivas pastorais no complexo universo da família neste início de milênio. Antes de tudo, é preciso ter a consciência de que o amor é chamado a amadurecer com a experiência da vida. Nesse processo, não existe imunidade a crises, angústias e sofrimentos. É entre dores e obstáculos que a alegria do amor se revela, especialmente quando se trata da vida conjugal e familiar. Na verdade, “cada crise esconde uma boa notícia, que é preciso saber escutar, afinando os ouvidos do coração” (AL 232). Crises são oportunidades de reaprender o valor do perdão e do sonho. “Cada crise é como um novo ‘sim’ que torna possível o amor amadurecer reforçado, transfigurado, amadurecido, iluminado” (AL 238). É preciso, para tanto, uma atitude de abertura constante e acolhida solidária, para discernir caminhos de libertação e cura de feridas graves e imaturidades. Uma das mais