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O projeto de Jesus

 


Jesus exerce a sua missão em um horizonte bastante claro e definido. Seus discípulos foram compreendendo ao longo do caminho no que consistia o Reino de Deus, que o Mestre pregava. E será que nós, passados dois mil anos, já nos demos conta do real alcance e significado da proposta de Jesus? Mais que aderir a uma doutrina, somos todos chamados a assumir um jeito radicalmente novo de viver, de nos relacionar, de olhar para os outros, para o mundo, para Deus!

“Isto que Jesus chama ‘Reino de Deus’ é o coração de sua mensagem, a paixão que animou toda a sua vida e também a razão pela qual foi executado... Se de Jesus nasce uma nova religião, como de fato aconteceu, haverá de ser uma religião a serviço do projeto de Jesus: o Reino de Deus” (p. 55)! Trocando em miúdos, o Reino é a vida humana conforme Deus a sonha e quer! Assumir esse sonho de Deus, então, exige romper com todas as outras formas de “reinado” que a Ele se opõem. Como fazer isso?

Para entrar no movimento dessa nova forma de existir, é preciso, antes de qualquer coisa, assumir um novo estilo de vida: a compaixão/misericórdia. Mais que um sentimento, misericórdia é aquele impulso de amor que nasce das entranhas, do mais profundo do ser. É a forma com que Deus ama a cada um dos seus filhos e filhas – Ele é um Pai que nutre por nós o profundo sentimento de Mãe! É o jeito próprio de ser de Deus. Compaixão é a motivação profunda do seu ser-em-saída, na direção de cada pecador que se arrepende, de cada filho que retorna, de cada necessitado à margem do caminho. Esse é o desafio a que as parábolas de Jesus nos provocam.

Os últimos, os mais vulneráveis e indefesos, os pobres e excluídos, são os primeiros destinatários da compaixão divina. A opção preferencial pelos pobres ocupa sempre o primeiro lugar entre as preocupações de Jesus – também o deve ser na Igreja. A força visível que nos faz acreditar na proposta do Reino é a concretude de ações que colocam a vida em primeiro lugar, em gestos sinceros e comprometidos de dignidade e justiça para todos, sem distinção. A misericórdia é a única força viva capaz de superar o legalismo e a indiferença, que paralisam e matam.

A compaixão em favor dos últimos é sinônimo de cura, de vida abundante! A missão de Jesus é restituir a cada pessoa a saúde, a salvação, o sentido da vida, a felicidade mais plena e profunda, de modo integral. O sofrimento humano precisa ser curado para que o Reino possa ser digno de fé e adesão. Isso implica o perdão gratuito, generoso, solidário, que (re)estabelece laços de verdadeira confiança e amizade. À mesa com Jesus, não há quem se sinta excluído ou minimizado – todos são igualmente amados e perdoados, acolhidos e tornados amigos e família de Deus!

Jesus não espera por nós – Ele se adianta ao nosso encontro por primeiro! Isso sinaliza que o Reino de Deus não é direito nem mérito de ninguém, mas graça e dom de amor para todos! Temos realmente coragem de abraçar essa proposta de Jesus?

 

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Referência: PAGOLA, José Antônio. Recuperar o projeto de Jesus. Tradução de Oscar Ruben Lopez Maldonado. Petrópolis: Vozes, 2019.

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