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Colocar Jesus Cristo no centro

 

Essa é uma verdade que parece óbvia, mas não é. Um autêntico caminho de conversão, discipulado, comunhão e missão só tem início com um encontro vivo com Jesus Cristo, que vai cada vez mais assumindo o centro da vida, das opções, da mentalidade, dos critérios de julgar e agir, tanto pessoais quanto eclesiais.

Falar ou ouvir dizer sobre Jesus não significa ter uma experiência de fé centrada nele. Um olhar atento sobre nossos discursos e práticas pode talvez revelar que somos muito “eclesiásticos”, mas pouco “discípulos”; muito “católicos”, mas pouco “cristãos”. “Corremos o risco de reforçar de muitas maneiras a presença da Igreja, deixando Jesus num plano secundário, oculto pelas nossas atividades pastorais e organizativas” (p. 36), imersos no ativismo exterior e pouco dados àquela escuta interior.

Há sempre o risco de “servir a outro senhor”. Por isso precisamos voltar sempre a Jesus e à força do evangelho, para não nos perdermos em nossa identidade e vocação. Sem ter claro esse centro, podemos cair na armadilha de uma sutil, mas significativa inversão de valores.

Podemos passar por essa tentação até mesmo naquela celebração que é a experiência central da nossa fé cristã, a Eucaristia: quantas vezes nos deixamos levar pelo destaque dos atores humanos e das coisas sagradas e descuidamos de Cristo? Sem percebermos, até mesmo a paróquia vai se tornando o centro quase único das nossas preocupações e não o Reino de Deus! A pastoral de manutenção pode em muito sufocar a evangelização!

É sempre preciso voltar a Jesus. Ele é a fonte, a origem, a cabeça, o centro. Trata-se de uma verdadeira atitude de conversão, voltando “ao Deus encarnado em Jesus como nossa primeira referência efetiva e vinculante, a força de nosso ser, a única verdade da qual nos é permitido viver e crescer” (p. 39). Disso não se pode abrir mão. Jamais. Somos todos convocados a uma nova relação de intimidade e pertencimento ao Senhor Jesus, recuperando nossas saudáveis raízes de fé, que nos motivam na esperança e nos impelem a gestos concretos de misericórdia, vivendo à altura do Mestre de Nazaré.

No Espírito de Jesus é que se deve fazer a leitura da realidade da vida. O momento atual nos convida a buscar a verdade para além das aparências e discernir caminhos para um autêntico seguimento de Jesus. A fidelidade ao evangelho põe em xeque as falsas seguranças e as frágeis tradições, estruturas tranquilizantes que nos mantém em uma inerte conversão. Uma “esperança realista” (p. 47) é necessária para manter o ânimo na tarefa de reavaliar, repensar e “iniciar caminhos novos que nos reclamam maiores níveis de fé, esperança e conversão. Caminhos que, pouco a pouco, irão transformando e preparando de maneira germinal um cristianismo novo, purificado e mais fiel a Jesus” (p. 48).

Como diziam os antigos pensadores gregos, o que realmente existe é a mudança. Daí a necessidade de uma Igreja semper reformanda, num compromisso de constante renovação. “Somos convidados a dar forma à mudança. Desenhar e ensaiar novas formas de evangelização, de anúncio de Jesus e de comunicação de seu Evangelho; novos caminhos para acolher e promover o Reino de Deus... [e assim] descobrir novos chamados, carismas novos e caminhos de conversão inovadores” (p. 49).

Redescobrir Jesus e o coração do seu evangelho. Essa é a tarefa primeira e principal. Será que estamos no caminho? O que você pensa sobre isso? Compartilha nos comentários!

 

 

***

Referência: PAGOLA, José Antônio. Recuperar o projeto de Jesus. Tradução de Oscar Ruben Lopez Maldonado. Petrópolis: Vozes, 2019.

Comentários

  1. "Um olhar atento sobre nossos discursos e práticas pode talvez revelar que somos muito “eclesiásticos”, mas pouco “discípulos”; muito “católicos”, mas pouco “cristãos”.' Excelente reflexão. Uma verdade muito inconveniente para todos nós. O encontro verdadeiro com Jesus nos possibilita colocá-Lo no centro de nossas escolhas. Obrigado, padre João. Mais uma reflexão maravilhosa. PARABÉNS

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