Esse é o título do 8º capítulo da Exortação Amoris
Laetitia, do Papa Francisco, sem dúvida um dos mais debatidos pela mídia
dentro e fora da Igreja Católica. A meu ver, o capítulo não apresenta
dubiedades nem controvérsias, como alguns acusam, mas orienta uma proposta pastoral
a partir de uma visão concreta, realista e humanizadora.
A grande questão em xeque – o grande background de
toda a explanação do capítulo – é o acompanhamento de situações de especial
fragilidade quanto à compreensão e vivência matrimonial e conjugal. Vamos ao
texto.
Em primeiro lugar, o Papa se dedica àqueles casais que vivem
casados somente “no civil” ou apenas convivem sem nenhuma
formalidade legal, bem como as “uniões de fato”. Seu grande risco é,
numa compreensão débil do significado do matrimônio, gerar uma
indisponibilidade para a vivência de um vínculo saudável, comprometido e
duradouro e, assim, levar a uma explícita rejeição do valor e do significado do
matrimônio, tanto em suas dimensões legais quanto religiosas e existenciais.
Trocando em miúdos: uniões conjugais fora do vínculo matrimonial explícito
podem levar a uma desvalorização, relativização e completa rejeição do valor e
do significado da família e do matrimônio para a vida pessoal, para a vida de
fé, e para a vida social. Para combater esse perigo, há de se estabelecer um
diálogo paciente e delicado com cada casal, segundo a chamada “lei da
gradualidade”, em que se vai aos poucos apresentando e resgatando a compreensão
do valor do vínculo matrimonial e da vivência familiar.
Outra situação de suma importância é a dos divorciados que
contraem nova união conjugal, fora do vínculo do sacramento do matrimônio. A
primeira iniciativa deve ser a quebra de todo e qualquer preconceito e
discriminação para com esses irmãos e irmãs, que devem, antes de qualquer
coisa, ser integrados na comunidade eclesial, com caridade e misericórdia. “Eles
não apenas não devem sentir-se excomungados, mas podem viver e amadurecer como
membros vivos da Igreja” (AL 299), não obstante sua situação conjugal. Para
isso, toda a comunidade de fé, tendo em vista cada situação pontual, é chamada
a um responsável discernimento
pessoal e pastoral dos casos particulares... O diálogo com o sacerdote, no foro
interno, concorre para a formação de um juízo reto sobre aquilo que impede a
possibilidade de uma participação mais plena na vida da Igreja e sobre os
passos que podem favorecê-la e levá-la a crescer... este discernimento nunca
poderá prescindir da verdade e da caridade do evangelho... para evitar o grave
risco de mensagens equivocadas, como a ideia de que algum sacerdote pode
conceder rapidamente “exceções”, ou de que há pessoas que podem obter privilégios
sacramentais em troca de favores (AL 300).
Ou seja, em todos os casos deve-se buscar caminhos e
alternativas para uma sadia e segura interpretação do ensinamento da Igreja por
parte de toda a comunidade, com uma consciência cada vez mais madura e
responsável. Mas, o Papa ainda chama a atenção:
esta consciência pode reconhecer não
só que uma situação não corresponde objetivamente à proposta geral do
Evangelho, mas reconhecer também, com sinceridade e honestidade, aquilo que,
por agora, é a resposta generosa que se pode oferecer a Deus e descobrir com
certa segurança moral que esta é a doação que o próprio Deus está a pedir no
meio da complexidade concreta dos limites, embora não seja ainda plenamente o
ideal objetivo (AL 303).
O sadio discernimento, entre pastores e fiéis, para cada
situação particular e subjetiva não renuncia à orientação e à norma objetiva,
mas, guiando-se pela caridade e pelo cuidado responsável com a vida e a
consciência de cada fiel, “deve ajudar a encontrar os caminhos possíveis de
resposta a Deus e de crescimento no meio dos limites” (AL 305).
Desse modo é que se realiza a ação misericordiosa da Igreja,
pois, “de modo algum, deve a Igreja renunciar a propor o ideal pleno do matrimônio,
o projeto de Deus em toda a sua grandeza... Hoje, mais importante que uma
pastoral dos fracassados é o esforço pastoral para consolidar os matrimônios e
assim evitar as rupturas” (AL 307). Como aquele velho ditado popular, “é melhor
prevenir do que remediar”, ainda mais quando a realidade nos aponta suas duras
consequências na vida concreta das pessoas.
É verdade que nem sempre os caminhos da vida nos conduzem
segundo as rotas que planejamos. Muitas vezes a vida concreta vai tomando
outras direções e perspectivas. O real, quase sempre, escapa para longe do
ideal. As situações matrimoniais passam por esse mesmo drama, na franca maioria
das vezes. Longe de desanimar ou perder a esperança, a Igreja nos anima a
retomar o caminho com confiança. Com caridade, misericórdia, justiça e verdade,
poderemos contemplar novos horizontes para uma vida mais plena, harmoniosa e
equilibrada para as nossas famílias.
Excelente texto!!!
ResponderExcluirUma pérola!!! Que texto lindo. Parabéns. Sempre traduzindo temas difíceis numa linguagem erudita e simples aí mesmo tempo. Um texto que retrata muito bem a doutrina da igreja e os desafios impostos pela realidade da vida matrimonial. Obrigado
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