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Algumas perspectivas pastorais – Amoris Laetitia VIII

 


É o que aponta o capítulo VI da exortação Amoris Laetitia. Importante destacar a atitude dialógica do Papa: “As diferentes comunidades é que deverão elaborar propostas mais práticas e eficazes, que levem em conta tanto a doutrina da Igreja como as necessidades e desafios locais” (AL 199). Francisco se detém apenas em apontar desafios de modo bem amplo e geral.

O primeiro é anunciar o Evangelho da família, através de uma pastoral familiar sólida e bem articulada, que tenha como protagonistas as próprias famílias. Em uma atitude de conversão missionária, as comunidades locais são convidadas a anunciar o valor e a dignidade da família, propondo valores capazes de enfrentar os problemas reais vividos pelas famílias. Assim se constrói uma paróquia “família de famílias” (AL 202), animada por agentes (sacerdotes, religiosos e leigos) que precisam ser mais bem formados para oferecer a ajuda necessária às famílias, especialmente em suas dificuldades, crises e preocupações mais concretas.

É fundamental guiar os noivos no caminho de preparação para o matrimônio, num empenho assumido por toda a comunidade de fé, “com um acompanhamento rico de proximidade e testemunho” (AL 208) nessa grande descoberta do valor do matrimônio e do compromisso de amar a uma pessoa concreta. No contexto de uma “pedagogia do amor” (AL 211), é possível discernir os sinais de um amadurecimento saudável do amor bem como motivações que tornem inviável uma união. Também é de suma importância ajudar os noivos a compreender o significado da celebração litúrgica do matrimônio, em toda a sua profundidade; assim, poderão viver, com sinceridade, o sentido do seu consentimento: liberdade e fidelidade recíprocas para a vida inteira.

Na mesma direção, o Papa aponta a necessidade de desenvolver um acompanhamento nos primeiros anos da vida matrimonial, indispensável aos recém-casados “para enriquecer e aprofundar a decisão consciente e livre de se pertencerem e amarem até o fim” (AL 217), pois o matrimônio é um longo caminho que se faz a cada passo, e exige crescimento e maturação constantes. “A bênção recebida é uma graça e um impulso para este caminho sempre aberto” (AL 218). Esse acompanhamento é importante para ajudar os casais a perceber que esse caminho do matrimônio se faz em etapas sucessivas e diferentes, onde cada realidade familiar é única e irrepetível – não existe fórmula pronta: “Por isso o amor é artesanal” (AL 221). No caminho do matrimônio se descobre também a generosidade da comunicação da vida: através da maternidade e paternidade responsáveis, o coração se expande e o amor toma forma concreta nos filhos, que “constituem um dom maravilhoso de Deus, uma alegria para os pais e para a Igreja. É através deles que o Senhor renova o mundo”.

Desse modo, propor uma evangelização da família requer tempo: para um itinerário de amadurecimento da fé, para a intimidade conjugal, para a partilha da vida. Todas essas medidas desafiam as paróquias e comunidades a investir numa pastoral familiar mais viva, incisiva e missionária. Aceitamos o desafio?

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