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O amor que se torna fecundo – Amoris Laetitia VII

 


Continuando nossa série de reflexões sobre a Exortação Apostólica Amoris Laetitia, chegamos ao capítulo V, que trata da acolhida da vida no seio da família. Aqui o Papa Francisco não se detém apenas em falar sobre a geração de filhos, mas propõe o conceito da “família alargada”, que compreende também a adoção e o cuidado para com os idosos. É um texto curto, mas bastante significativo!

“O amor sempre dá vida” (n. 165): essa é uma das características fundamentais do amor. A vida deve sempre se acolhida como dom, com generosidade e alegria, contemplando, na vida que quer vir ao mundo, a beleza do amor e da graça de Deus que renova todas as coisas. Toda família é chamada a uma fecundidade generosa através da paternidade responsável, não se fechado no próprio egoísmo, mas abrindo o amor à experiência da vida que precisa ser cuidada e amada (n. 167).

A maravilha da gravidez está na possibilidade de colaborar com Deus na renovação da criação! O sonho com o bebê que vem e sua acolhida alegre são um sinal do amor do próprio Senhor, que não faz da pessoa uma posse para si, mas um dom gratuito e livre. Desse modo, pai e mãe vão amadurecendo no amor e na responsabilidade com o novo ser que geram, se tornando presença saudável e equilibrada, beneficiando, assim, toda a compreensão e vivência como família, respeitando as funções e características específicas de cada membro e seu valor.

Fecundidade vai além de procriação biológica. “A adoção é um caminho para realizar a maternidade a paternidade de uma forma muito generosa... Adotar é o ato de amor que oferece uma família a quem não a tem” (n. 179). A tristeza do abandono ou da rejeição de uma criança pode ser transformada pela alegria do amor que acolhe e integra numa família essa vida, que pode ser amada, cuidada e respeitada por inteiro.

O amor da família não pode se deixar vencer pelo medo ou pela indiferença. O lar deve estar sempre aberto ao mundo, às necessidades de tantas pessoas que se aproximam, pedem ajuda e merecem acolhida. Todos somos irmãos. A humanidade é uma grande família, que tem a Deus por único Pai. Por isso, numa compreensão mais ampla do amor no seio da família, no horizonte da fé, “sua fecundidade alarga-se, traduzindo-se em mil e uma maneiras de tornar o amor de Deus presente na sociedade” (n. 184). Isso é ser Igreja, Corpo de Cristo vivo, presente e atuante no mundo!

Nossas famílias devem voltar a contemplar a chamada família alargada, tão cara às sociedades antigas, saindo do núcleo familiar restrito e abrindo-se aos cuidados para com todos aqueles que integram a grande e ampla unidade familiar, dos mais novos aos mais idosos. A começar por esta tomada de consciência: “Todos somos filhos. E isto recorda-nos sempre que a vida não no-la demos sozinhos, mas recebemo-la” (n. 188). Isso é tão importante que, recorda o Papa, o quarto mandamento da Lei de Deus segue aqueles que se reportam diretamente à relação com o Senhor, conferindo ao cuidado de “honrar pai e mãe” um aspecto quase sagrado, único, indispensável.

Nesse horizonte, a preocupação com os idosos é capital. Numa sociedade que preza apenas a capacidade produtiva das pessoas, os idosos sofrem com a rejeição, o desprezo e o descarte pela maioria das gerações mais jovens. Na verdade, eles são uma verdadeira ponte entre as gerações, sendo memória viva dos acontecimentos vividos e experimentados concretamente na família. Por isso é preciso cuidar dos idosos, reconhecendo seu lugar, seu valor e sua dignidade. Aprende-se, então, o que significa ser irmão. Esse é um aprendizado que leva toda uma vida, favorecendo “um dinamismo interior e incessante, que leva a família a uma comunhão sempre mais profunda e intensa, fundamento e alma da comunidade conjugal e familiar” (n. 196).  

Se o amor da família é capaz de se expandir na acolhida de cada um dos seus membros com respeito e dignidade, tantas situações dolorosas e confusas podem ser nela acolhidas sem julgamento, com carinho, em verdadeira, sincera e profunda comunhão.

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